quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Caminho

Ao ver a imagem refletida nas sombras da água, pensou: onde estou? Foi caminhando em direção à única luz que via ao longe. Quando chegou, avistou um velho poste no meio do nada. Sentou-se, olhou para os lados buscando uma saída. Enxergou entre alguns arbustos uma clareira, parecia uma trilha. Resolveu seguir por ali. Pelo caminho havia algumas árvores tão belas, outras tão turvas, a maioria escura e cheia de deformações nos troncos e folhas. Andava devagar em meio a tudo, não via outro caminho senão aquela trilha estreita que ia se seguindo. Não tinham flores, nem animais, nem frutas nas árvores mais belas. Talvez se ficasse passasse algum beija-flor que pudesse levar a algum jardim, mas não tinha tempo. Então avistou uma luz nem muito próxima. A estrada estava levando até ela. Não apurou o passo, seguia caminhando suavemente sem deixar marcas no chão e nem olhar para trás. Ao chegar, deu-se no mesmo poste de onde tinha saído. Sentou-se sem nenhuma expressão no rosto e olhou para o céu, tão escuro, sem nada, sem rumo. O seu único leme eram as pernas. Não pensava em nada, não tinha nada para carregar, nada para se lembrar. Olhou para aquela mesma trilha e foi andando, de cabeça erguida, suavemente, como se ela pudesse mudar e o levar para fora de lá. Algum dia.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Culpa

É o gatilho, é um simples acabar com essas grades que o prendem aqui dentro. Como foi parar la dentro? Acho que nem ele mesmo sabe. A vida o trouxe até aqui, a escolha dos caminhos, e principalmente os erros. Sempre achava que poderia fazer o que quisesse, e naquele dia acabou com o que estava irritando. Estava pagando pra ter paz e sossego, mas aquilo estava constantemente acabando com a sua tranquilidade, três batidas na cabeça e pronto, aquele vizinho infernal estava estirado no chão, sangue escorrendo. Ele virou-se e voltou caminhando calmamente até sua varanda, sentou-se acendeu um cigarro, nem pensava no que tinha feito, só admirava aquele céu azul que ameaçava a primavera que estava por vir, imponente, satisfeito. Em nem 4 horas estava la, preso, em um “não se importar” que admirava os familiares de quem foi tirada a vida. Em julgamento não precisou mais do que duas palavras: FUI EU. Preso, condenado, encarcerado. Alguma pergunta? – Posso levar um maço de cigarros? E essas suas únicas palavras dentro daquele lugar imundo que acusava as culpas de todos que estavam ali e inclusive a própria, que ele negaria inconscientemente até o momento do gatilho. Passava pelos outros presos em ar de leveza, justiça feita, punição inútil e curta. Nas horas de sol sentava-se do mesmo jeito sempre, fumando seu cigarro, expelindo a fumaça e olhando pra ela até que se dissipasse no ar, sem olhar pra ninguém, talvez fosse receio de ser incomodado de novo, então preferia a solidão e sua própria companhia. Depois de muito tempo imune, dia após dia, o olhar começava a se fazer mais e mais perdido e confuso, talvez o silêncio estivesse dando espaço para que a consciência falasse aos seus ouvidos. Tempo depois começava a andar ligeiro por entre os outros, olhar ensanguentado e aflito, de vez em quando dava olhadas para trás como quem estivesse a receio de ser seguido por alguém, enquanto andava mexia a boca e balançava a cabeça em sinais de reprovação. Culpa? Talvez. Mais parecia uma ânsia que pressionava sua cabeça quando viu toda sua vida passando diante de seus olhos e antes de apertar o gatilho gritou: EU QUERO MINHA LIBERDADE DE VOLTA.

sábado, 12 de junho de 2010

Da dor

Eu prefiro abraçar a minha dor, sozinho, e apertá-la forte contra o peito, para me sentir sufocado pelos próprios erros.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Coragem

Todos os dias sentava naquele bar com um bloco de papel na mão, passava horas escrevendo, tardes, noites, atravessava os sábados de cabeça baixa escrevendo naquele mesmo lugar. Tornou-se uma figura comum aos que freqüentavam o bar seguidamente, menos para mim, eu sempre quis saber o que havia naquelas tantas folhas riscadas e rabiscadas, os novos garçons passavam e olhavam para tentar desvendar o que estava escrito naqueles pedaços de papel. O homem erguia cabeça pedia o seu tradicional Martini e voltava àquele mundo só seu. Eu sempre quis saber o que havia naqueles papéis, serão cartas, histórias de uma vida inteira, bem como nós todos queremos e até tentamos falar sobre nossas próprias vidas, mas não conseguimos, nunca vemos nada de tão extraordinário para que seja escrita uma biografia a próprio punho, ou até por algum parente ensandecido após a nossa morte, mas eu queria saber o que ELE tanto escrevia.
Depois de anos sentando naquele mesmo bar e observando o senhor escrever tanto, tantas folhas, tantas anotações, tantos poemas, tanta solidão.... eu nunca havia notado aquele senhor acompanhado de alguém ou sorrindo pra alguma pessoa , a não ser para os garçons que já lhe tinham gosto e conhecimento pelo seu pedido, mas só aqueles que ele não precisava nem pedir, que quando ele sentava à cadeira , tirava os blocos do bolso do casaco escuro, já vinham trazendo a taça de Martini bianco, sua única companheira para todas as estações, ao longe parecia ser sua única inspiração também.
Nas noites de inverno as taças se estendiam para duas, três, quatro, ou até cinco, mas foi no outono que eu iria matar minha curiosidade que atravessa anos acima das anotações do solitário escritor. Mas brevemente, uma cena que eu lembro de uma madrugada incomum, ele parecia ter levantado a cabeça justamente na hora que aquela mulher, alta, grisalha, em pose de coluna reta, rosto sofrido, como a quem os anos foram árduos e difíceis, pequenas olheiras lhe passavam em baixo dos olhos como avisos de noites mal dormidas, ou preocupações, ele, ao relance viu a mulher passar levantou-se com em um pulo e saiu à porta como quem fosse atrás da figura daquela mulher, e parou no meio caminho, deu volta, sentou-se novamente e pegou firmemente aquela caneta, prateada, com algo gravado nela, como se fosse presente de alguém, ao qual, não se tem idéia de quem, e com as mãos trêmulas e aparente respiração ofegante voltou a escrever com certa ansiedade naqueles papéis. Mal conseguia manter a mão sobre o papel, levantou e saiu em súbito, passou exatamente dois dias sem ir ao bar, o que causou certa estranheza aos que freqüentava habitualmente o lugar, mas ninguém se perguntava o porque do sumiço, isso pode se dever ao fato de que o próprio homem não dava espaço para que ficassem respostas, e assim tirava as dúvidas da cabeça dos alheios, menos da minha, queria muito saber o que ele tanto escrevia. Depois dos dois dias sem ver aquela figura enigmática, ele aparece ao bar novamente e faz o mesmo ritual, retira os blocos de papel do bolso, a caneta, e espera que o garçom traga seu Martini. Baixou a cabeça, escreveu, tomou doses a mais naquele dia, com um certo desespero nos gestos de levar a mão ao Martini. Quase amanhecendo, uma noite cinza, céu sem estrelas, um leve calor que dava pintas de meia estação, o homem levemente alcoolizado, levanta-se, e no gesto de levar os blocos ao bolso deixa cair um deles perto da cadeira, junta a caneta e sai do lugar. Eu peguei o caderno e tentei ir atrás para que pudesse lhe devolver suas anotações, mas ao sair na porta e olhar para os lados, o homem havia sumido como num passe de mágica por entre as ruas que cortavam a avenida, que começava a despertar suas pessoas surgindo por todos os lados para cumprir suas tarefas matinais. Fiquei parado olhando para os blocos por um tempo, essas capas amarelas que me trouxeram anos de curiosidade, agora, finalmente em minhas mãos. Entrei no bar de novo pedi uma taça de champanhe, como uma comemoração e sentei em uma mesa atrás da que o homem costumava sentar. Abri. Lembro de ver na primeira página, uma descrição perfeita da mulher ao qual ele havia saído atrás naquela noite, abaixo algumas linhas com os mesmos dizeres: Quem é ela? Quem é ela?
Um senhor apaixonado, que escrevia cartas pra sua amada desconhecida e nunca teve coragem de entregá-las, como pode passar a vida inteira esperando ser notado, talvez nem quisesse, mas viveu solitário, em um bar, escrevendo mágoas em pedaços de papel.
Levantei com a taça de champanhe pela metade, sai de lá com o bloco na mão, caminhei pelo parque por uma manhã, coloquei na primeira lixeira que vi pela frente, não é isso que eu quero pra mim.