sábado, 12 de março de 2011

Casaco Listrado

E se naquele dia, os olhos tivessem se cruzado poderia ter sido diferente. Mas no meio da multidão não se enxergam olhos, somente sorrisos plásticos e as máscaras que acompanham músicas com letras deploráveis e contatos físicos superficiais. Uma olhada de canto, um copo, um amigo puxando pela mão, relance, realce, passou por todas as pessoas, fez a volta e parou no mesmo lugar, não estava mais ali. Não reparei na roupa, não vi cores, só vi os olhos, brilhavam acompanhando meus movimentos, em voz baixa. E se passou o resto da noite no mesmo lugar tentando achar de novo a troca de olhares que não se repete nem mais do que “a few times” nessa vida. Mas sobre o que falar, amores de carnaval duram menos que uma onda em maré baixa, desistindo de procurar. Trocou de lugar, fingiu que nem ligava, quando a música permitia um intervalo o pensamento corria de volta, tentou lembrar-se de um pedaço de roupa, ou da cor do cabelo, em relance veio a cor do casaco que se puxava em listras e tecido desconhecido, mas achou que não estaria do mesmo jeito, assim como não passou pelo mesmo lugar onde havia sido visto. Correu os olhos em todos os casacos listrados que por ali passavam, vestidos, na mão, amarrados na cintura ou carregados e arrastando no chão. Nada. Em um tempo fora desse ar de folia, sentou e recapitulou a cena, que ridículo procurar o canto de um olho, mesmo que tenha sido o olhar mais terno e reconhecível que eu já vi, depois de tanta escuridão e da promessa cumprida, depois dos anos e da chuva seca, depois de nunca mais ter olhado nos olhos de ninguém. Então se deixar passar, se não correr, virão outros, ou será que este é o teste? Pode ser uma nova chance para cobrir alguma outra que deixei para trás sem ao menos ter me dado por conta, será que eu já fui a pessoa do casaco listrado? E se fui, pq então a outra pessoa não me procurou, será que é esse o fundamento disso tudo, me colocar no lugar do outro. Então, se for isso, que infelicidade, não poderei mais procurar, vou ficar sentindo o mesmo, me apoiando na ternura de um olhar que durou alguns segundos. O encanto e desencanto do tamanho da festa, pequeno, mas intenso para alguns, extenso e desastroso para outros. E se fosse então essa a última oportunidade, se chegou na avenida pensando, nem menos pensado, parou no meio do caminho e não se mexeu, sentia o olhar acariciando os seus olhos, estremeceu, parou mais, vozes chamando, vamos-vamos-o nosso lugar é lá na frente, se virou, e de novo, não conseguiu achar. Meros devaneios ou intuição carinhosa, continuava procurando, mesmo indo com os amigos que não entendiam nada do que estava acontecendo, a sensação foi passando, como a chuva que vai se transformando em garoa fina até que nem tem mais força de molhar o chão. Vai dormir o dia todo amanhã, é o último dia, eu preciso achar, não vou perder essa chance, mesmo que não seja pra acontecer. No despertar, enfeitou-se tão alegremente como se estivesse na obstinação de encontrar aquele olhar e então desvendar esse mistério tão doce e tão angustiante. Já passando pela avenida, hoje vou achar nem que tenha que rondar todos os olhos dessa rua, mesmo que seja minha missão impossível, mesmo que não seja pra ser achado. E o fez, rodeou todos os possíveis mirantes, até passar para os impossíveis, então os improváveis e até os impensáveis. Desisto, não era pra ser, então nunca vai ser, lágrima que corre o rosto e passa pela decepção contornando o desejo não saciado de encontrar um simples olhar que poderia ser o mais brilhante que já vi na minha vida. Mas na decepção, se sente pelas costas paralisar e a mão que desliza o ombro e eleva o corpo contra o seu para sussurrar no seu ouvido: enfim te achei, eterna ternura no olhar. E tirou a mão do ombro, quando se virou viu o casaco listrado saindo de costas pelo meio da multidão e sumindo bem como da primeira vez. Levantou os olhos e sussurrou tão baixinho que ninguém podia ouvir, o ano que vem eu vou estar no mesmo lugar, vou te esperar.