sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Ligação

Passou o dia todo rodeando o telefone e dando algumas olhadas para ele, olhares carregados de intenções de lançar algumas letras na agenda telefônica e achar o número, e ligar, e não falar nada. Nas duas tentativas anteriores não deixou chamar do outro lado, nem para ouvir a voz que viria atendendo com um “oi” apressado ou um “alô” desconfiado. Fazer uma ligação é voltar atrás, é tentar retomar todos os momentos ruins que tinham passado há nem tanto tempo assim. A memória traiçoeira se aliou à saudade e peneiraram esses momentos ruins, transformando-os em contos de fadas, com bruxas, caçadores e amores verdadeiros que sempre vencem. Foi no auge da construção de um destes contos de fadas de pedaços incompletos de memória em que levantou, colocou um tênis e sua camiseta preferida, aquela que tinha a imagem de um de seus filmes favoritos, deu uma olhada pela janela e colocou a chave no bolso. Sentou. Pensou. Colocou a chave na porta e a mão na maçaneta em movimento de recuo e desistência. Olhou para o telefone na mesa e ele tocou, o sorriso veio junto com a enganação de achar que podiam ter adivinhado seu pensamento e ter ligado primeiro. Era só a mãe, perguntando como foi o dia. Respondeu curta e objetivamente olhando para a chave na porta, semi virada para o lado que destranca enquanto apertava a palma da mão com os dedos em uma angústia com motivos. Desligou o telefone e colocou as duas mãos na cabeça como quem quer perguntar ao primeiro que passar ‘o que estou fazendo?’. Voltou para o quarto em passos rápidos e desistidos de fazer qualquer coisa, pronto passou, a paranoia saiu, a saudade acabou. Mas o telefone continuava ali, dava para ver de longe, em cima da mesa. Pensava em dias e meses atrás, quando a saudade era outra, coberta de esperas e esperanças, planos e planejamentos. Os planejamentos, esses todos tinham finais felizes e lindos, e as esperas não tiveram resultados, o que restou foram esperanças de poder refazer os planos. Incrível como um simples gesto pode mudar tudo assim. Agora tudo isso estava desfeito e foi colocado ali, do outro daquele telefone, que bastava apertar alguns botões  e ligar e esperar... Esperar que do outro lado atendessem e dessem respostas, para as perguntas que ficaram no ar e de onde surgiram outras perguntas. Agora de volta à porta de entrada com dois fósforos e um cigarro, o último. Assim que acabar vou decidir o que fazer, o pensamento batendo à porta. O cigarro mais longo de todos, fumado até o filtro na tentativa de ganhar tempo e não precisar decidir tão imediatamente o que fazer. Assim que atirou o toco no chão, virou os olhos ao céu azul e em seguida ao telefone em cima da mesa. Entrou correndo, em respirações profundas e nervosas, pegou o telefone na mão, digitou o número com pequeno tremor e o colocou no ouvido tão devagar quanto degustou o cigarro um pouco antes. O telefone do outro lado chamou algumas vezes, ninguém atendeu. Largou o telefone em cima da mesma mesa e saiu para comprar cigarros, com a leveza de quem teve a resposta que queria desde sempre.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Corredor

São tempos difíceis para os que têm esperança de que as coisas um dia vão mudar. São tempos difíceis para os que acreditam no amor, no amor de verdade, na compaixão e no amor de intensidade, de amar qualquer coisa. Perpassando os corredores e sendo levado até o lugar onde passaria os seus últimos momentos, pensava em como era difícil, como era difícil ser gente que sente, que quer sentir e ser sentida. Então, porque seria eu a mudar o rumo de todas as coisas se assim elas já estão postas e impostas? Enquanto caminha pelo corredor, passa toda sua vida diante de seus olhos, todos os erros, os erros em que acreditou. De repente voltou ao momento crucial que o levara até onde estava agora, e viu o momento em que se deu conta que o amor já não tinha o mesmo valor. Mas então qual o real valor das coisas? Se, no começo de tudo, tivesse aberto os olhos e caminhado de encontro à razão, talvez não estive em um corredor tão estreito e sem volta. A razão agora o afronta saindo pela pele e brilhando no fundo dos olhos, que visitam todas as salas no decorrer do caminho. Em uma das salas, lá está sentado seu orgulho com os olhos de emoção e despedida, abanando como quem avisa que agora vai ser curado, restaurado e vingado. Os pés descalços avançam em zigue-zague e o corredor se estreita, de uma forma que só se passará pelo final quem estiver de pleno acordo de deixar as emoções para trás. Levantando a cabeça e olhando em direção à porta que vai se abrindo enquanto uma comissão o espera do outro lado. Preciso ir até o fim, era o que repetia enquanto observava a luz da porta aumentando na medida em que abria alguns metros à frente. Em chegar perto, algumas lágrimas se posicionaram em tom de ameaça de se mostrarem. Na tentativa de parar, foi arrastado pelos arranhões e machucados da vida e de tudo que sentira até ali. Todos eles sussurravam em tom de zombaria, avisando que se desse para trás eles voltariam a tona, maiores, piores e mais sucessivos. As últimas coisas que sentira nos últimos metros antes de chegar ao fim do corredor e passar pela porta foram medo e dúvida. O medo e a dúvida o faziam andar cada vez mais devagar em direção à porta que já se escancarava e quase podia ver claramente quem o esperavam do outro lado. Quando pisou no primeiro feixe de luz que vinha de lâmpadas fracas e sujas, os machucados e arranhões seguraram o medo que não o deixava andar. Livrando-se do medo, as dúvidas não fizeram mais sentido e foram se dissipando de acordo com o feixe de luz que ia aumentando enquanto a razão pressionava todos os sentimentos ali restantes. Pronto. Chegou ao final do corredor, ultrapassou a porta e foi iluminado por aquela lâmpada fraca e suja, os que ali estavam não lhe disseram nada, apenas apontaram para a última cadeira da sala. Lá estava ele, o ego que o chamou para sentar enquanto mandava buscar a razão. Ali, sentado entre o ego e a razão, tomou as rédeas da vida e nunca mais sentiu nada. Nem medo, nem dúvida, nem arranhões, nem machucados, nem esperança...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Silêncio

-Para T.Borges
Fria noite de inverno, quente a solidão vastamente invade a alma dos ‘a sós’. Mesmo que fossem dois, eram duas solidões que os regiam em uma orquestra de silêncio e um clima constrangedor. O que foi que eu fiz, então bruscamente alguém quebrou o silêncio em um rompante de desespero. Você deve saber, a resposta seca e direta que se volta como uma faca rasgando o sentimento de culpa pelo não sei o que acontece. Barulho do relógio tic tac, estavam há horas e não disseram mais que meias palavras, em tons de acusação e tentativas de redenção ao erro nem bem explicito, mas muito bem entendido quando o silêncio se fazia na sala. Então alguém ligou a TV, e outro alguém levantou e desligou, o silencio é a cura, dizendo isso sentou-se novamente de fronte à janela com uma cidade tão suja por trás, dava para sentir o ar da sujeira de indiferença que rodeava os arranha-céus que estavam a perder de vista naquela paisagem nauseante. Mas alguém levantou e foi em direção à porta, pegando a chave em um só segundo, colocou a mão na maçaneta ameaçando ir embora se você não disser alguma coisa. Se levantou de fronte à janela e virou para a figura na porta, com os olhos de uma mágoa tão profunda que escorria pela face e jorrava pelas mãos trêmulas de quem não sabe o que dizer. E ali ficaram, por mais alguns minutos, enquanto a cidade se refazia em seus tons acinzentados e seus habitantes tão solitários e calados de sentimentos quanto aqueles dois. Fechou de novo a porta, onde os vizinhos passavam e observavam a incomum movimentação dos moradores daquela casa que nunca estivera tão silenciosa. Nem percebendo que o dia já ia clareando e as mãos em cima da mesa já ansiavam qualquer resposta além do não responder e do não fazer barulho, além dos passos surdos e angustiantes pela sala praticamente vazia. Quando o tic tac do relógio anunciava 8 horas da manhã, já clareou o dia e ainda estamos aqui sem nada e sem respostas e quase sem rosto além do cansaço, alguém sussurrou em um suspiro quase fundido ao silêncio que pairava abaixo do som dos carros e de crianças correndo para ir para a escola em uma manhã morna que ia desfazendo a noite que fora tão fria e incalculavelmente longa para um deles. Quem estava tão atido ao silencio começou de repente a falar e lembrar as horas que passaram à luz da lua, nas quais o silêncio sempre fora o que permanecia banhando seus sentimentos de respostas sem prévias perguntas e nem ações que merecessem julgamentos e vereditos sobre atitudes. Porque tudo isso agora? A aflição tomava conta de quem temia qualquer atitude que iria julgar tão impensada quanto a sua, que era o que resultou nesta noite de espera e desespera. De repente começou a criar argumentos em defesa própria, não podia fazer nada não faça isso me diga alguma coisa me diga o que fazer. Se levantou alguém que tinha uma decisão por tomar, foi até o quarto pegou as malas do outro, as entregou, arrume seu nada e vá embora carregando esse vazio que nunca me foi suficiente, e só lhe tenho uma coisa a pedir que faça só volte quando conseguir ouvir tudo que esse silêncio tem para te dizer. E foi, e não voltou. Algumas vezes tinha vontade de voltar, mas nunca silenciou e nunca compreendeu.

sábado, 8 de outubro de 2011

Meios Sábados

Talvez nem toda espera tivesse um fio de esperança, pensei alto batendo o cigarro na ponta do cinzeiro e jogando as cinzas no chão sem querer. Ouvi alguém dizer, ou li em algum lugar, que parar para pensar na vida é tarefa para uma tarde de chuva, ou não era isso, ou era só a tarde de chuva. Bom, aquela não era uma tarde de chuva, mesmo assim eu esperava por alguma coisa que tardava, não tinha esperança que algo acontecesse, era só uma espera infinita por um nada que viesse e me tirasse desse tédio, ou não era o tédio. Ao certo era um sábado, desses em que há meios compromissos, meias intenções, meios convites, meias dúvidas, meias esperas. Sábados são pela metade, os domingos são totalmente vazios para quem não faz churrascos de famílias e não acorda de meia ressaca pela meia bebedeira de um meio sábado sem esperança nenhuma. A fumaça do cigarro bate no teto e faz formatos de espera, mas espera pelo que, talvez espere que eu abra a janela para que possa sair e se dissipar no ar, talvez se dissipe por ali mesmo e não esteja esperando por meias atitudes, como eu. Acho que a espera não tem formato, ela só está ali, talvez não seja uma esperança declaradamente, talvez seja esse aperto no peito que sentimos às vezes, que sentimos aos sábados, que não é o vazio de um domingo à noite , que é mais uma aflição por uma segunda feira cheia de tarefas, quando não há tempo para esperas, temos que ser completos para que esperemos por uma sexta feira feliz, depois das 18h aos que trabalham e depois das 22h aos que estudam, como eu. Na verdade, para mim as sextas feiras são um tanto angustiantes, já que eu espero por elas a semana toda e quando elas chegam,acho que é tanta euforia que não consigo pensar no que fazer e acabo não fazendo nada, nada com feijão, como diria meu avô. Esperar por uma sexta feira, qual a diferença de esperar por uma sexta feira e esperar por alguma coisa que não se sabe o que é, talvez a diferença seja essa angústia de saber que a sexta feira chegou e que vai chegar de um jeito ou de outro, e a de não saber é tentar encaixar qualquer coisa que nos traga um pouquinho a mais do que metades nessa “coisa” que não tem nome. Divagação, o cigarro se apagou sozinho enquanto eu esperava que meus pensamentos sobre meias angústias terminassem. De repente olhar pra janela e ver a movimentação de um sábado, que é só metade, que metade das pessoas trabalham, outra metade aproveita para fazer meias tarefas de casa e receber meias visitas de meia hora e tomar meia térmica de chimarrão ou só meia xícara de café. Os sábados são pela metade, as sextas feiras são angustiantes, os domingos vazios e eu, talvez, só esteja em um meio sábado qualquer esperando por qualquer meia companhia que venha por meia hora, tomar meia xícara de café e que abra um lado da janela para que a fumaça do cigarro, que talvez tenha menos esperança do que eu, possa sair e se dissipar por inteiro pelas meias ruas deste meio sábado.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

"Carry on, carry on..."

Tudo que foi não volta, não iria querer voltar atrás para refazer o caminho e acertar, eu não tenho culpa de nada, falando em tons de absurdo na frente do espelho. Acordou com a indignação estampada no rosto, nem sabia por quê. Estava pensando em todos os “poderia ter sido” do passado. Em como realmente teria sido melhor ter escolhido todos os lados direitos dos caminhos invés dos esquerdos, ou ter alternado, ou ter tropeçado em mais pedras durante um tempo pra enfim chegar a alguma cachoeira cintilante ao final e colocar a cabeça na água fresca e ver que realmente tudo aquilo valeu a pena. Ou, ou, ou... não dá para voltar atrás, fiz o que tinha que ser feito, repetindo com a cabeça próxima do espelho e analisando as olheiras acumuladas durante anos a fio com poucas horas de sono e muito mal dormidas, as pontas dos dedos amareladas da nicotina absorvida nas noites de insônia. Tomar banho e sair novamente pelas ruas vazias às 6h da manhã, passando por uma pessoa ou outra que olha para a figura pálida com estranheza ou pena andando de camiseta nos frios que perpassam as olheiras e os fones de ouvido tocando Bohemian Rhapsody a todo o volume que for possível para abafar os pensamentos. “Carry on, carry on...” a música entra pelos ouvidos e absorve os pensamentos até a esquina onde há um trevo com três saídas, onde todos os caminhos podem levá-lo ao mesmo destino. Música acabando, os pensamentos vem à tona na cabeça que gira enquanto o movimento de gente e carros começa para a rotina agitada da cidade que estava adormecida. “Nothing really matters to me...” para onde eu vou? Não vou me repetir, não vou me repetir, não vou me repetir... e o movimento o vinha cercando na esquina, a cabeça girando em sentido contrário aos pensamentos, buzina, buzina, vozes, desmaiou. Se viu de novo em frente às 3 saídas, mas uma esquina abaixo, lá na frente, um homem alto, magro, que olhava também para os caminhos sem saber para onde ir. Caminhava sem sair do lugar, corria e o homem nunca se aproximava, chamava em gritos por ele sem sucesso, o homem parecia observar bem as três opções, quando ele se virou pôde ver a si mesmo, uns 20 anos mais jovem talvez. Sentou-se. Começou a pensar no que poderia estar acontecendo, ligou o mp3, o homem à frente parecia reagir tendo escolhido um caminho para seguir, quando sumiu no horizonte de um da reta escolhida, olhou para trás o mesmo homem vinha subindo a mesma rua e fez a mesma parada, os mesmos gestos de dúvida, mas escolheu um caminho diferente de antes, e quando olhou para trás vinha ele jovem novamente fazendo a mesma parada, os mesmos gestos de dúvida e escolheu o último caminho a ser seguido. Quando olhou para trás vinha ele novamente ouvindo Bohemian Rhapsody no último volume, olhar de indignação, dedos amarelados de nicotina, olheiras fundas e cuidando bem o chão por aonde vinha pisando, quando deu de cara consigo mesmo acordou no mesmo lugar onde tinha ficado inconsciente com toda a multidão ao redor se questionando o que havia acontecido com o homem magrelo que desmaiou no meio da rua. Levantou, ligou o mp3 novamente, mas dessa vez em volume que pudesse escutar a si próprio, parou em frente à avenida de múltiplas saídas e repetia NÃO HÁ ERROS, NÃO HÁ ERROS, o caminho está certo, o erro está no final da linha, e deu a volta sem olhar para trás.