sábado, 8 de outubro de 2011

Meios Sábados

Talvez nem toda espera tivesse um fio de esperança, pensei alto batendo o cigarro na ponta do cinzeiro e jogando as cinzas no chão sem querer. Ouvi alguém dizer, ou li em algum lugar, que parar para pensar na vida é tarefa para uma tarde de chuva, ou não era isso, ou era só a tarde de chuva. Bom, aquela não era uma tarde de chuva, mesmo assim eu esperava por alguma coisa que tardava, não tinha esperança que algo acontecesse, era só uma espera infinita por um nada que viesse e me tirasse desse tédio, ou não era o tédio. Ao certo era um sábado, desses em que há meios compromissos, meias intenções, meios convites, meias dúvidas, meias esperas. Sábados são pela metade, os domingos são totalmente vazios para quem não faz churrascos de famílias e não acorda de meia ressaca pela meia bebedeira de um meio sábado sem esperança nenhuma. A fumaça do cigarro bate no teto e faz formatos de espera, mas espera pelo que, talvez espere que eu abra a janela para que possa sair e se dissipar no ar, talvez se dissipe por ali mesmo e não esteja esperando por meias atitudes, como eu. Acho que a espera não tem formato, ela só está ali, talvez não seja uma esperança declaradamente, talvez seja esse aperto no peito que sentimos às vezes, que sentimos aos sábados, que não é o vazio de um domingo à noite , que é mais uma aflição por uma segunda feira cheia de tarefas, quando não há tempo para esperas, temos que ser completos para que esperemos por uma sexta feira feliz, depois das 18h aos que trabalham e depois das 22h aos que estudam, como eu. Na verdade, para mim as sextas feiras são um tanto angustiantes, já que eu espero por elas a semana toda e quando elas chegam,acho que é tanta euforia que não consigo pensar no que fazer e acabo não fazendo nada, nada com feijão, como diria meu avô. Esperar por uma sexta feira, qual a diferença de esperar por uma sexta feira e esperar por alguma coisa que não se sabe o que é, talvez a diferença seja essa angústia de saber que a sexta feira chegou e que vai chegar de um jeito ou de outro, e a de não saber é tentar encaixar qualquer coisa que nos traga um pouquinho a mais do que metades nessa “coisa” que não tem nome. Divagação, o cigarro se apagou sozinho enquanto eu esperava que meus pensamentos sobre meias angústias terminassem. De repente olhar pra janela e ver a movimentação de um sábado, que é só metade, que metade das pessoas trabalham, outra metade aproveita para fazer meias tarefas de casa e receber meias visitas de meia hora e tomar meia térmica de chimarrão ou só meia xícara de café. Os sábados são pela metade, as sextas feiras são angustiantes, os domingos vazios e eu, talvez, só esteja em um meio sábado qualquer esperando por qualquer meia companhia que venha por meia hora, tomar meia xícara de café e que abra um lado da janela para que a fumaça do cigarro, que talvez tenha menos esperança do que eu, possa sair e se dissipar por inteiro pelas meias ruas deste meio sábado.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

"Carry on, carry on..."

Tudo que foi não volta, não iria querer voltar atrás para refazer o caminho e acertar, eu não tenho culpa de nada, falando em tons de absurdo na frente do espelho. Acordou com a indignação estampada no rosto, nem sabia por quê. Estava pensando em todos os “poderia ter sido” do passado. Em como realmente teria sido melhor ter escolhido todos os lados direitos dos caminhos invés dos esquerdos, ou ter alternado, ou ter tropeçado em mais pedras durante um tempo pra enfim chegar a alguma cachoeira cintilante ao final e colocar a cabeça na água fresca e ver que realmente tudo aquilo valeu a pena. Ou, ou, ou... não dá para voltar atrás, fiz o que tinha que ser feito, repetindo com a cabeça próxima do espelho e analisando as olheiras acumuladas durante anos a fio com poucas horas de sono e muito mal dormidas, as pontas dos dedos amareladas da nicotina absorvida nas noites de insônia. Tomar banho e sair novamente pelas ruas vazias às 6h da manhã, passando por uma pessoa ou outra que olha para a figura pálida com estranheza ou pena andando de camiseta nos frios que perpassam as olheiras e os fones de ouvido tocando Bohemian Rhapsody a todo o volume que for possível para abafar os pensamentos. “Carry on, carry on...” a música entra pelos ouvidos e absorve os pensamentos até a esquina onde há um trevo com três saídas, onde todos os caminhos podem levá-lo ao mesmo destino. Música acabando, os pensamentos vem à tona na cabeça que gira enquanto o movimento de gente e carros começa para a rotina agitada da cidade que estava adormecida. “Nothing really matters to me...” para onde eu vou? Não vou me repetir, não vou me repetir, não vou me repetir... e o movimento o vinha cercando na esquina, a cabeça girando em sentido contrário aos pensamentos, buzina, buzina, vozes, desmaiou. Se viu de novo em frente às 3 saídas, mas uma esquina abaixo, lá na frente, um homem alto, magro, que olhava também para os caminhos sem saber para onde ir. Caminhava sem sair do lugar, corria e o homem nunca se aproximava, chamava em gritos por ele sem sucesso, o homem parecia observar bem as três opções, quando ele se virou pôde ver a si mesmo, uns 20 anos mais jovem talvez. Sentou-se. Começou a pensar no que poderia estar acontecendo, ligou o mp3, o homem à frente parecia reagir tendo escolhido um caminho para seguir, quando sumiu no horizonte de um da reta escolhida, olhou para trás o mesmo homem vinha subindo a mesma rua e fez a mesma parada, os mesmos gestos de dúvida, mas escolheu um caminho diferente de antes, e quando olhou para trás vinha ele jovem novamente fazendo a mesma parada, os mesmos gestos de dúvida e escolheu o último caminho a ser seguido. Quando olhou para trás vinha ele novamente ouvindo Bohemian Rhapsody no último volume, olhar de indignação, dedos amarelados de nicotina, olheiras fundas e cuidando bem o chão por aonde vinha pisando, quando deu de cara consigo mesmo acordou no mesmo lugar onde tinha ficado inconsciente com toda a multidão ao redor se questionando o que havia acontecido com o homem magrelo que desmaiou no meio da rua. Levantou, ligou o mp3 novamente, mas dessa vez em volume que pudesse escutar a si próprio, parou em frente à avenida de múltiplas saídas e repetia NÃO HÁ ERROS, NÃO HÁ ERROS, o caminho está certo, o erro está no final da linha, e deu a volta sem olhar para trás.

sábado, 12 de março de 2011

Casaco Listrado

E se naquele dia, os olhos tivessem se cruzado poderia ter sido diferente. Mas no meio da multidão não se enxergam olhos, somente sorrisos plásticos e as máscaras que acompanham músicas com letras deploráveis e contatos físicos superficiais. Uma olhada de canto, um copo, um amigo puxando pela mão, relance, realce, passou por todas as pessoas, fez a volta e parou no mesmo lugar, não estava mais ali. Não reparei na roupa, não vi cores, só vi os olhos, brilhavam acompanhando meus movimentos, em voz baixa. E se passou o resto da noite no mesmo lugar tentando achar de novo a troca de olhares que não se repete nem mais do que “a few times” nessa vida. Mas sobre o que falar, amores de carnaval duram menos que uma onda em maré baixa, desistindo de procurar. Trocou de lugar, fingiu que nem ligava, quando a música permitia um intervalo o pensamento corria de volta, tentou lembrar-se de um pedaço de roupa, ou da cor do cabelo, em relance veio a cor do casaco que se puxava em listras e tecido desconhecido, mas achou que não estaria do mesmo jeito, assim como não passou pelo mesmo lugar onde havia sido visto. Correu os olhos em todos os casacos listrados que por ali passavam, vestidos, na mão, amarrados na cintura ou carregados e arrastando no chão. Nada. Em um tempo fora desse ar de folia, sentou e recapitulou a cena, que ridículo procurar o canto de um olho, mesmo que tenha sido o olhar mais terno e reconhecível que eu já vi, depois de tanta escuridão e da promessa cumprida, depois dos anos e da chuva seca, depois de nunca mais ter olhado nos olhos de ninguém. Então se deixar passar, se não correr, virão outros, ou será que este é o teste? Pode ser uma nova chance para cobrir alguma outra que deixei para trás sem ao menos ter me dado por conta, será que eu já fui a pessoa do casaco listrado? E se fui, pq então a outra pessoa não me procurou, será que é esse o fundamento disso tudo, me colocar no lugar do outro. Então, se for isso, que infelicidade, não poderei mais procurar, vou ficar sentindo o mesmo, me apoiando na ternura de um olhar que durou alguns segundos. O encanto e desencanto do tamanho da festa, pequeno, mas intenso para alguns, extenso e desastroso para outros. E se fosse então essa a última oportunidade, se chegou na avenida pensando, nem menos pensado, parou no meio do caminho e não se mexeu, sentia o olhar acariciando os seus olhos, estremeceu, parou mais, vozes chamando, vamos-vamos-o nosso lugar é lá na frente, se virou, e de novo, não conseguiu achar. Meros devaneios ou intuição carinhosa, continuava procurando, mesmo indo com os amigos que não entendiam nada do que estava acontecendo, a sensação foi passando, como a chuva que vai se transformando em garoa fina até que nem tem mais força de molhar o chão. Vai dormir o dia todo amanhã, é o último dia, eu preciso achar, não vou perder essa chance, mesmo que não seja pra acontecer. No despertar, enfeitou-se tão alegremente como se estivesse na obstinação de encontrar aquele olhar e então desvendar esse mistério tão doce e tão angustiante. Já passando pela avenida, hoje vou achar nem que tenha que rondar todos os olhos dessa rua, mesmo que seja minha missão impossível, mesmo que não seja pra ser achado. E o fez, rodeou todos os possíveis mirantes, até passar para os impossíveis, então os improváveis e até os impensáveis. Desisto, não era pra ser, então nunca vai ser, lágrima que corre o rosto e passa pela decepção contornando o desejo não saciado de encontrar um simples olhar que poderia ser o mais brilhante que já vi na minha vida. Mas na decepção, se sente pelas costas paralisar e a mão que desliza o ombro e eleva o corpo contra o seu para sussurrar no seu ouvido: enfim te achei, eterna ternura no olhar. E tirou a mão do ombro, quando se virou viu o casaco listrado saindo de costas pelo meio da multidão e sumindo bem como da primeira vez. Levantou os olhos e sussurrou tão baixinho que ninguém podia ouvir, o ano que vem eu vou estar no mesmo lugar, vou te esperar.